segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Uma história de amor em Esparta

Olá pessoal, hoje vim postar um pequena historinha que minha prima fez para o trabalho da faculdade, acabei achando, enquanto preocurava uma minha, li e resolvi postar. Até que é bem bonitinha e super curta.
Então vamos lá e boa leitura. 




Participante da civilização orgulhosa, que tem o prazer de se autoar helênica, eu, humilde cidadã espartana, estou fadada a me preparar fisicamente para ser entregue a alguém que tenha o perfil compatível para formar cidadãos fortes e saudáveis, sem levar em consideração o elemento essencial, o amor. Pelo menos, era o que os papiros diziam. O escriba que é o modelo a ser seguido, homem sábio e importante perante o Estado, perdeu a minha admiração derretendo meu coração ao redigir tal exigência.

            Tudo começou com o mais simples olhar enquanto ia com o meu pedagogo ao gramático. Ingenuamente, levava minha tabuinha para acompanhar as aulas e observava atentamente o trajeto feito. Meu coração esperava ardentemente por essa aula, porque era lá que eu encontrava o amor da minha vida, Daniel.

Tão nova, mas já sonhadora.

            Fazia tudo para chamar sua atenção. Empenhava-me ao máximo em minha busca pela perfeição, pela melhora da Pólis. Afinal, sendo um aluno tão focado, iria querer uma mulher à sua altura.

            Felizmente, o tempo foi me ajudando e com os dois focados para os Jogos Olímpicos, nos esbarrávamos toda vez na palestra. Daniel participava da maioria dos esportes olímpicos e ainda tinha a plena noção das sete artes liberais. Isso, para mim e para a metade das meninas de Esparta, é o modelo de homem perfeito.  O homem perfeito que eu queria.

            Hoje, mais uma vez me encontro treinando na palestra. Não houve um dia se quer que eu tenha faltado ao treino. Todos os dias a espera de ver os olhos lindos de Daniel encontrando os meus. Encontro esse que tinha que ser dos mais breves possíveis, porque o mínimo de distração comprometia todo um empenho. Mas, esses mínimos olhares, que poderiam valer de nada para ele, valiam muito para mim.

            Porém, nesse típico dia de treino me deparei com a sua falta. A primeira em toda a sua vida. Algo havia acontecido.  Ele não admitiria uma falta se não fosse algo muito grave. Estava próximo, eu sabia. Seus pais e o Estado decidiriam quem seria sua esposa.

            Saí apressada do treino, sem falar com ninguém, com o coração angustiado querendo o ver, abraçá-lo. Abraçar, quem diria. Em toda minha vida só estudei o abraço teórico, mas nunca dei ou recebi algum. Queria ele perto de mim.

            Ando utopicamente pela rua. Algo me chama a atenção. Ele conversava com o nosso ex-gramático. Tentei passar despercebida e o mais rápido possível para não encontrar o brilho de seus olhos azuis e a eletricidade de seu corpo perfeitamente malhado por ocasião dos treinos incessantes. Mesmo havendo homens com o mesmo corpo em mais da metade da cidade, faço questão de prestar atenção no dele.

            Passando ao seu lado é que percebo uma mão quente segurando o meu braço. Seus olhos travaram nos meus. Não tive nenhuma reação.

- Falo com o senhor mais tarde. – falou simpaticamente ao nosso eterno gramático que se retirou.

            Segurando-me ainda para evitar a minha possível fuga olhou em meus olhos como se pedisse socorro a uma amiga que o acompanhara há anos sem ao menos trocar uma palavra.

- Pode me soltar, por favor? – tentei disfarçar.
- Desculpa. Força do hábito. – soltou algo próximo a um riso.
- Você sabe que não pode falar comigo. – disse.
- Sei, mas é de extrema urgência. – completou.
- O que tem de tão extrema importância para que venha a falar comigo na rua? – olhei seus olhos perdidos a espera de uma solução. – Com quem você vai casar? – relaxei os ombros.
- Você não sabe? – perguntou-me perplexo.
- Tenho que ir. – terminei a conversa sentindo que não era certo e saí o mais apressadamente possível.

            A verdade é que eu não aguentaria ouvir o nome de outra garota no lugar do meu. Porém, havia algo de diferente em seu olhar, como se quisesse me dizer alguma coisa. Olhar esse que nem um gramático, escriba ou cidadão helênico poderia distinguir, mas somente eu.

            Segui, correndo, a casa para realizar os afazeres no gineceu. Não poderia permitir que algum dos cidadãos espartanos visse o meu rosto molhado por lágrimas de fraqueza.

            Cheguei a passos mais calmos, recuperando o meu equilíbrio e mantendo a minha postura habitual.  Esconder os sentimentos sempre foi um cuidado para a cidade militarizada de Esparta.

            Entrei e segui direto ao gineceu. As minhas irmãs conversavam ente si.

- Será que ele vai gostar de mim? – Aila perguntou a Tícedes.
- Claro que vai. – pausou – E o que você acha, Helena?
- Eu não acho nada. – respondi.
- Você não quer nem saber o ocorrido? – ela insistiu e eu a encarei.
- Diga o que é tão importante a ponto de parar o que estou fazendo. – interpelei.
- A Aila vai se unir ao Daniel. – eu corei.

 Será que eu poderia ser tão ridícula ao ponto de achar que eu tinha alguma chance? Provavelmente me parara para falar de Aila.

- Helena? Você está bem? Está pálida. – Tícedes me tirou de um transe.
- Estou sim, só estava pensando em uma coisa. Que Daniel é esse? –perguntei disfarçando.
- Como assim que Daniel? Daniel filho de Elitel, braço direito do soberano, que estudou contigo uma vida inteira. – Aila usou de tom sarcástico.
- Sei quem é. – fiz cara de indiferente.
- Por um instante achei que não tivesse gostado da ideia. – Tícedes observou.
- É indiferente. – conclui.

Terminei o que tinha que fazer e fui ao quarto. Precisava me desligar de Daniel. Infelizmente, aqui, o destino nos separava. Ele será marido de minha irmã e sucessor de seu pai, braço direito do soberano. 



Acordei em um sobressalto, estava frio, muito frio. Dormi pensando nas cenas angustiantes de Aila e Daniel juntos. A menina nem da nutriz saiu.

Levantei-me e fui me preparar para ir a palestra treinar. Mesmo me sentindo debilitada fisicamente, tinha que ir. Não poderia deixar tal infortúnio emocional acabar com a minha participação na corrida nos Jogos Olímpicos. Eu não deixaria isso acontecer.  Ficar doente é demonstrar fraqueza.

Andei, andei e andei.  Nem havia chegado e o trajeto já estava cansativo, isso nunca aconteceu. Minha visão está ficando turva e eu...desmaiei.

Acordei com olhos azuis me encarando.

- Pronto, está tudo bem. – ele disse.
- Daniel?!?! O quê... – assustei-me.
- Calma, não tem ninguém por perto. – ele sorriu.

Sim, sorriu. Um sorriso que eu nunca havia visto, nem nas aulas do gramático, nem das sete artes liberais, nem na palestra.

- Minha cabeça está doendo. O que você fez? – olhei-o com profunda raiva.
- Não, eu só... – nem terminou de falar e eu já batia nele incessantemente.

Não sei dizer se o batia por ter me levado para um lugar que nem faço ideia de onde fica, por ter perdido o treino ou por ele estar noivo de minha irmã.  Um pouco dos três, talvez. Porém, a maior raiva é que conforme eu batia, nenhum efeito produzia.

- Calma, eu te entendo. – ele disse. Eu parei de descontar toda a minha raiva nele.
- O quê? – disse ofegante.
- Eu sempre te amei.

Aquelas palavras consolaram o meu coração, mas me deixaram sem reação. Não acho que um de nós seria capaz de amar, mas aconteceu. Eu estava errada.

Nós, cidadãos espartanos e helênicos, nos amávamos. Tudo conspirava contra nós.

- Eu sempre te amei. Sempre tentei chamar a sua atenção sendo o melhor de todos, mas isso virou a minha própria ruína. – confessou- Meu pai disse que por eu ser o melhor, não teria o direito de opinar nas possíveis candidatas para a minha união. – pausou respirando – rezei muito aos deuses para que fosse você, mas não foi. – abaixou a cabeça – Disse a ele, mas foi em vão. Ele disse que você é a melhor nos Jogos Olímpicos, invicta, mas que o Estado tem outro pretendente para você.

Aquelas palavras me intrigaram. Então, eu também não teria o direito de decidir a quem me unir. Por ser a melhor, seria tirado de mim completamente.

- Não! Temos que fazer alguma coisa! – eu disse.
- Isso faria muito mal a pólis. Não podemos arriscar.

Não abriria mão da minha felicidade ao lado do homem que eu amo.

- Vamos para Atenas. – decidi.
- Você deixaria a Pólis para ir morar em uma cidade “liberal”?
- Por você... Ou prefere a Aila? Ou prefere ficar preso? Ou prefere qualquer coisa a mim?
- Corro esse risco por nós. – decidiu.

Aproximamo-nos e nos abraçamos. Acho que buscávamos consolo um no outro da incerteza do sucesso desse plano. A rebeldia era imperdoável e morte certa. Seu coração batia fortemente e seu corpo ardia.

Imagino que, como eu, a espera de tal momento se cumpriu. Faltava-nos esse calor, esse carinho que apenas o olhar nos deu por tantos anos. Nesse abraço, senti que havia mais do que muito esforço e gratidão. Havia desejo de mudança.

Afastei-me e o encarei mais uma vez e em um toque espontâneo saiu o nosso primeiro beijo. O beijo tão esperado que nos uniu ainda mais nessa eterna aventura.

O tempo parou.

No dia seguinte, saímos clandestinamente de Esparta.  Deixamos tudo para trás. As lembranças com o gramático, os treinos na palestra, a participação nos Jogos Olímpicos, para seguirmos o que verdadeiramente importa, o amor.

Um dia, os papiros contarão essa linda história de silêncio, esperança e amor em meio à repressão.”



Essa é a história que o professor nos deu para ler. Felizmente, para Helena, os papiros contaram a sua história de amor.

- Mas professor – levantei a mão pedindo a palavra. – Por que esse drama todo? Eles não poderiam escolher com quem se casar e tal.

- Porque Esparta era uma cidade muito militarizada. Basicamente, os pais e o Estado decidiam com quem você se casaria para que seus filhos nascessem saudáveis. Além disso, as mulheres só aprendiam o básico no gramático, termo bem geral mesmo, e participavam das corridas nos Jogos Olímpicos.  Até mesmo na palestra, o espaço entre homens e mulheres era separado, mas não isolados. Os jovens eram tão focados no físico e em sua preparação que não tinham tempo para histórias de amor como essa. As sete artes liberais não eram abertas as mulheres, mas mesmo assim, não era muito importante. A maior importância era o físico e o militar.

- Mas se percebe que a Helena sabe o que são as sete artes liberais e que gosta de homens assim. – falei.

- É, mas acredito que para um homem tão importante como Daniel, isso era algo a mais a ser apreciado. Concorda?

- Concordo. – respondi.

-Dessa forma, as mulheres faziam os afazeres domésticos no gineceu. Até quando a autora coloca como utopicamente, ou seja, “sem rumo”, tem sentido, porque “utópico” é uma palavra de origem grega. Mais alguma dúvida?

Achei interessante todas essas observações, mas não estava satisfeita.

- E por que fugir para Atenas? – perguntei.

- Porque Atenas tomou outro rumo. Atenas era uma cidade mais voltada para a cultura. Vocês sabiam que Esparta, antes de ficar tão fortemente militarizada, já foi como Atenas? Mas o tal soberano que Helena fala era conservador, acabando com a importância da cultura na Pólis. Inclusive, a pederastia entre os treinadores era normal. Pois, o treinador, para chegar ali, teve que ser o melhor. Assim, os alunos criavam um tipo de afeição diferenciada pelo professor.

            Escutava o professor atentamente. Mesmo com todo esse conteúdo o que realmente me chamou atenção foi a história de amor. Eu quero essa história de amor para a minha vida e sei que os livros a contarão. Assim como Helena, a repressão afeta a minha vida, mas em outro sentido. Amor não correspondido?

- Oi Carol. – ele veio falar comigo. O sinal havia tocado e eu nem tinha percebido.
- Oi Daniel. – respondi meio sem graça.
- Quero falar com você urgente. – ele sorriu.
- Tudo bem...

            Gostaria que as palavras desse Daniel fossem iguais às do Daniel de Esparta, mas sabia que não seriam.

- Poderia me ajudar com a matéria de hoje? Gostei da história, mas não entendi o conteúdo.
- Tá ok.
- Quem sabe não poderíamos sair depois. O que acha? – ele disse meio sem graça.

- Claro. Claro. – corei.

            Será que seria o começo de uma história como a de Helena e Daniel?
FIM

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